domingo, 10 de outubro de 2010

Coti[dia]no

Coti[dia]no

Acordo mais uma vez sobre um lençol roxo, quase em hora de trocar, o maldito gosto de guarda-chuva me faz lembrar da noite anterior. Mais um porre de um destilado qualquer, em que fui me misturando ao belos e finos champanhes de uma festa rica desta cidade quadrada .

O que me faria feliz? Na verdade varias coisas, o acordar junto seria ótimo, ter alguém para roubar o lençol na boca da manhã seria magnífico.

Mas isso não tinha, por uma mistura de opção e destino acordava mais uma vez só, como a Joana de barro que após a traição se enclausura na mistura de barro e palha de sua ultima morada.
Luta para levantar foi tremenda, digna de qualquer batalha no sertão, em que quanto mais se empurra mais ela te arrodeia por traz. Levantei, e senti o doce e amargo frio do chão.

O que me faria feliz? Provavelmente o exorcismo deste maldito gosto de guarda-chuva da minha boca.

Caminhei até o banheiro, e sobre essa pista de gelo deslizei até de baixo da cachoeira enjaulada. A torneira rodou como as cirandas de uma festa popular qualquer, e a água  banhou meu corpo em um deslizar arrepiante, tempo de ensaboar não tive, não tive ou não quis, tanto faz, não importa.
Segui nu até a tolha, e gotejante fiz um rastro d’água por toda a sala, rastro esse que provavelmente deveria secar mais tarde, mais agora nisso não pensava.

O que me faria feliz? A liberdade de poder deixar rastros no mundo sem que isso me incomoda-se.

Vesti o pequeno short que já usara durante um mês, e sem camisa segui para a cozinha buscando o que comer. O relógio marcava três horas e cinqüenta e cinco minutos, pensei em almoçar, mais não poderia sem antes dejejuar o meu primeiro café com cigarros do dia.

O que me faria feliz? Cigarros infinitos, para que nunca mais eles pensem em faltar.

Passei um café amargo em um coador que já não era limpo a algumas semanas, café novo, nem  gastou muito, coisa de duas ou três colheres meio cheias ou meio vazias tanto faz.
Com o café pronto me dirigi até a sala, e sobre o rastro de água que havia deixado mais cedo me sentei, o chão ainda úmido molhou minhas parte, isso me irritou em um primeiro momento, mais depois percebi o quanto era bom.

O que me faria feliz? Mais chãos úmidos em contato com meu robusto corpo.

Acendi um cigarro, e o cheiro de tabaco queimado embriagou-me como os destilados da noite anterior, senti a fumaça branca escorregar por minha garganta até meu pulmão.  Me senti feliz por estar contrariando as recomendações do ministério da saúde, mais feliz ainda por contrariar um presidenciável hipocondríaco qualquer, que pretenda fascistamente proibir o consumo desta dádiva divina que é o tabaco.

O que me faria feliz? A morte deste maldito presidenciável hipócrita e nojento.

Ao fim do quinto cigarro me levantei, levando o copo do café para a cozinha, com uma rápida olhada no relógio percebi que já eram seis horas e trinta e cinco minutos, com um curto e áspero “Porra!”, lembrei  que deveria sair de casa antes que os cobradores viessem cobrar dividas de jogo passadas.   

O que me faria feliz? Não ser viciado em jogos de azar ou sorte, tanto faz.

Sai de casa mais uma vez, e rumo a mais algumas garrafas de destilados qualquer, parti, sem almoço nem janta, para mais uma noite de disfarce nesta maldita cidade onde nem crianças nem velhos transitam em seu seio.

O que me faria feliz? Um cotidiano menos cotidiano.  
        

Um comentário:

  1. adorei a expressão "maldito gosto de guarda-chuva da minha boca".

    Por um cotidiano menos cortidiano e por uma eleição generosa.

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