quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

De domingo a domingo.



De domingo a domingo.

Todos esses fatos aconteceram entre os dias 21 e 28 de novembro de 2010 no estado do Rio de Janeiro.


Manhã, em qualquer cobertura do Leblom.


Rolo na cama, uma incrível sede maltrata minha garganta, a noite de ontem foi pesada.
 Em um bar de botafogo ou Copacabana bebemos como se não houve-se amanhã.
Saímos de lá expulsou pelo garçom, ele nos serve todas as vezes que sentamos lá,
O seu nome, Não sei, só o chamo de bigode,
Ele nos trata bem, pois sabe que damos boas gorjetas, só que dessa vez queria fechar, disse que devia ir pra casa, pois havia deixado mulher e filhos sozinhos, pediu desculpa ao sair para o ponto de ônibus onde esperaria o da linha amarela.
 Dessa vez gorjeta não demos...
É realmente, deve ter sido em botafogo, desde que o dona marta foi ocupado passeamos sem medo por ali...
Estranho a essa hora ainda ninguém vir me chamar. Gosto do sol que entra pela janela no meu momento de alvorecer, me lembra meus fins de semana passados em Noronaha em que nada me tira do sério.
Levanto.                                      

O cheiro de almoço perfumeia a casa, Joana a nossa secretaria do lar cozinha enquanto vê um programa qualquer na televisão, me da um tímido bom dia, e pergunto se preciso de algo, logo a respondo que não, mais repito a frase que falo todos os dias.

Esses programas vão derreter seu cérebro
.
Sento-me e espero o café que Joana faz tão bem, Joana sempre cozinha calada, pois mamãe acha mais higiênico o cozinhar com a mente vazia, só que nesse dia Joana não o fez em silêncio.  
Me perguntou se tinha visto as ultimas noticias, eu disse que havia visto algo, ela perguntou se eu sabia onde morava, eu disse que não, ela  me contou que morava na penha e que estava preocupada em voltar pra casa, eu não entendi a afirmação, houve um silencio na cozinha.

...
Mas o que eu posso fazer Joana?

Mais um silêncio veio.

Você podia pedir a sua mãe para eu passar a noite aqui, eu fico no quartinho da bagunça e prometo não atrapalhar ninguém.

Mas lá num tem cama Joana. Como vai dormir.

Eu me viro Mauricio, na minha casa também não tem cama.

Vou ver o que posso fazer... mas só até essa bagunça acabar.

Não sei por que essa gente tem tanto medo, deve ser o espetáculo da televisão, ontem fiquei até as 6 da matina na rua e não vi nada acontecer, na verdade vi mais policia que o normal, e isso não é bom ?
Da cozinha gritei pra sala, onde minha mãe almoçava sua salada antes de ir para academia.

 mãeeê, a Joana pediu pra passar a noite aqui, pode?
 
Porque meu filho ela foi despejada de novo?

Não por que o lugar onde ela mora ta boladão, a senhora não viu na TV?

Vi sim, mas é só essa noite em Joana, minha casa não é pensão.

Sim senhora, pode deixar que amanhã eu já volto viu.


No final das contas seria bom a Joana dormir aqui... Posso passar no quarto dela antes de sair pra balada, afinal uma mão lava a outra, e as duas acabam me lavando.


Tarde em um escritório de Copacabana.




Depois do almoço sempre abro o jornal, gosto de ler enquanto assisto o programa do Wagner Montes.
Sento-me em minha poltrona reclinável de legitimo couro, aprecio as belas reportagens sobre política, economia o bem sucedido Eike Batista e meu grande fluzão.
Hoje Wagner está mais exaltado que o normal, grita esperneia e gesticula. Confesso que atrapalha minha leitura, mais quando me posiciono para desligar percebo que o deputado falava sério, o nosso grandioso Rio de Janeiro estava em caos...

Carros de cidadãos de bem pegando fogo, avenidas paradas, pretos, pobres e favelados nos noticiários, balas perdidas, reação do BOPE, policia nas ruas, propinas, prisões, tanques, exercito, marinha,  guerra, acho que vamos vencer, ninguém sai de casa, Ipanema vazia, praia deserta, mais um ônibus pegando fogo, lapa vazia, fuga de bandidos, conquista do morro, mídia, tiroteio, sangue.
Levanto de minha Poltrona.
Não poderia ficar ali parado, eu era um alvo muito fácil, empresário de meia idade que subiu na vida com o próprio suor e uma ajudinha dos outros não ficaria bem em uma camisa branca sorrindo ou como o nome de alguma instituição contra violência .
Tiro o telefone do gancho. A secretaria atende. Mando cancelar todos meus compromissos até o fim de semana, ela aceita sem exitar. Peço que ela ligue para minha mulher e filhos, para avisar que me esperem prontos as 16:00 em nossa casa. Assim ela faz.
Arrumo o escritório e desligo a TV. Cancelo os programas com as amantes mais intimas, e juntando minhas coisas mi dirijo para saída.
No corredor de saída encontro a secretaria, ela me olha confusa, digo que vou estar em ilha grande até a guerra acabar. E ela pergunta.

E eu doutor?

Você continua trabalhando até eu voltar, se precisar de algo me liga, e se algum desavisado chegar passa o meu telefone e manda o motorista levá-lo de volta?

Sim senhor, precisando de algo estou aqui.


Sigo caminho, mas um sopro de bondade atravessa meu coração, volto até a recepção do meu escritório olha as pernas da secretaria e digo

Só precisa vir amanha viu, pega a sexta de folga, o rio ta muito perigoso...?

Obrigado doutor.

Mas não se acostuma, essa semana é uma semana atípica.


Sigo caminho e rezo, rezo como só faço em momentos de tensão, para não ser parado por nem um bandido e ver um lindo carro pegando fogo.

Noite no asfalto do alemão





Precisávamos ir de noite...
Hoje era meu dia de folga. Havia segurado três plantões nessa semana, e pelo caos que estava no Rio de Janeiro, iria segurar mais um.
Um monte de carro queimado pela rua, o capitão descontrolado, os urubus midiáticos no nosso cangote, passantes na rua querendo justiça, Eduardo Paes na TV pedindo reforços.
Eu era ali mais uma peça do sistema, e só tinha uma opção, fazer todo o serviço sujo do estado.
Nos deram 800 páraquedistas do exército, 36 blindados, 400 policiais civis, 930 policiais militares, 270 policiais do BOPE, 9 helicópteros, e 6 tanque de guerra.
O que nos pediram em troca?
600 corpos no chão.
Mas Precisávamos ir de noite...

A TV falava em guerra, e duvidava de nossas atuações, mais toda corporação estava na rua e era o momento certo para atacar, o filme dos parceiros do BOPE acabara de ser lançado, e o único fio de esperança da classe média era na gente.
Podíamos subir e fazer o que quiser, valas seriam abertas e os 600 corpos que a maldita globo filmou na tomada do cruzeiro, já teriam seu repouso final, o asfalto era nossa trincheira, e os comandantes se fizeram presente.
Mas precisávamos ir de noite!
Policiais militares, o BOPE, os fuzileiros navais, a marinha, a guarda nacional e eu estávamos ali por um único motivo, fortalecer a industria da vela, colocando uma vela na mão de cada defunto que faríamos.
Mas para isso Precisávamos ir de noite...
Preparamos-nos para invasão, e pela mídia noticiamos a possibilidade de rendição.
A noite chegou e era aquela à nossa hora, mas rendição mesmo não houve.
O sangue escorria por ruas e vielas, o momento de subir era aquele. A noite nos protegia de tudo, éramos nós contra eles
E precisávamos subirir de noite...
Tomar o morro seria esplêndido precisávamos subir o complexo.
Mais precisávamos ir de noite...
Recolheríamos os corpos antes dos jornalistas chegarem, tudo seria limpo e os saques seriam bem sucedidos.
Mas Precisávamos ir de noite...

Não subiremos!

Essa foi à ordem geral dos capitães.

Subiremos de manha quando o sol altear e a audiência alcançar toda a população brasileira estaremos lá, levaremos bandeiras e blindados, e com maestria recuperaremos prestigio.



Tinha culpa eu do espetáculo ?
Acho que não... Mas o que eu não sabia é que foi esse dedo que puxa o gatilho que amarrou a bandeira bem no alto, mostrando para todo mundo quem era o responsável por aquele espetáculo...
O estado brasileiro.


Madrugada no alemão





A poça de sangue do Quase 13 começa a molhar minha havaiana, falei pra ele que hoje combate ia ser sinistro, um tiro de rifle na testa foi o suficiente para acabar com qualquer sonho de doutor. Mas o mulequin colou com o bonde porque quis, dinheiro, fama, droga mulher chama a atenção de qualquer um.
Sinto pena da mãe do muleque, mais antes ela chorando do que a minha.

SENTO O DEDO MENOR!!!!!!!!!!!!!!!! Na contenção, na contenção.

O Madrugadão ta tenso, não para de gritar com a rapaziada, juro que se sair daqui ele não grita mais comigo.

TA TA TA TA TA TA TA TATATATATATATATATA!

O filé com fritas e o café recolheram o corpo do quase treze, agora o que sobrava era a poça de sangue e seu rastro, o vermelho tingia o chão batido, e minha havaiana pingava sangue.

TA TA TA TA TA TA TA TATATATATATATATA!

Os cara tão subindo, e acho que daqui ninguém sai vivo.
A tensão durou bastante, mais por volta das 2 da matina o morro silenciou, a trégua duraria até o primeiro raio de luz ilumininar o mar  do Rio de Janeiro.
Quem fugiu, fugiu, quem não fugiu só resta combater ou fingir de morto. To com a arma engatilhada e daqui só sai o corpo.
Espero que possa ser enterrado, e que meu corpo não esteja desfigurado pela mão suja da policia.
De duas as três todos ficaram apreensivos, os corpos foram retirados, e os feridos tratados, os mais poderosos comeram, e nos passaram as migalhas, segurávamos a onda enquanto alguns dormiam. Nessas horas é necessário dormir de olhos abertos.
De três as quatro tudo estava mais calmo... o donos do morro preparavam a retirada, alguns com algum dote artístico se esconderam em casas de família, expulsando os trabalhadores e tomando seus lugares. Outros armaram uma passeata de paz na favela, com todos de branco seria fácil se disfarçar no meio da comunidade e a fuga seria perfeita, os nem tão importante assim se esgueirariam pelos canos de tubulação e com sorte e um pouco de sujeira estariam livres ao amanhecer.

E nós?

Nós devíamos ficar na contenção enquanto os grandes fugiam...
Varias perguntas podiam passar na minha cabeça naquele instante, por que estar ali, porque estar na contenção, por que...

Tempo pra responder não pude...
O primeiro raio de sol bateu na favela... agora era só uma questão de tempo.